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Vera Canhoni

Barros e as palavras adormecidas. Escrita: endereçamento e experiência

Barros e as palavras adormecidas. Escrita: endereçamento e experiência

Linguagem – Memória e esquecimento – palavras adormecidas

 

palavras com significações adormecidas. Outras com as formas enterradas. Outras, para serem inventadas.

Acho que o poema, que o escritor de um modo geral, tem que recuperar algumas adormecências de certas palavras, ou mesmo algumas feiúras delas. E botá-las bonitas e acordadas.

Tenho a impressão que as palavras trazem do fundo de seus esquecimentos riquezas que podem reverdecer a linguagem.

Talvez o tédio a que me refiro venha de alguma falta. A falta de ir às origens, ao mais antigo de cada termo.

Quase sempre as invenções se fazem a partir de coisas adormecidas e não de coisas inexistentes.

Na casa da memória a gente está quem foi antes. A gente está quando era pedra, quando era chuva.

Então se o poeta fala a partir das coisas adormecidas das pedras, a partir das árvores, ele pode trazer para sua expressão poética coisas que não fazem tédio.

A inocência plena de um ser humano pode alçar ele para ave.

Acho que o primeiro vagido de uma criança tem, pelo menos, a assistência do mistério.

Já notei que algumas palavras que emprego têm raízes de conchas aturdidas. Acho que as crianças pronunciam seus primeiros cantos, como de aves mesmo.

Os erros da infância vêm carregados de nossas ancestralidades enlouquecidas.

Elas trazem nossos mais puros defeitos. O tatibitate inventa sons novos, jogos florais, brinquedos letrais.

Agora, os erros instruídos pelo desejo de estupramento da linguagem, esses não são puros. Esses contêm a orgulhosa pretensão de errar.

Manoel de Barros

Muller, A. Manoel de Barros, Beco do Azougue, 2010

 

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