Poesia – Carlos Drummond de Andrade
Mineração do Outro
Os cabelos ocultam a verdade.
Como saber, como gerir um corpo alheio?
Os dias consumidos em sua lavra significam o mesmo que estar morto.
Não o decifras, não, ao peito oferto, monstruário de fomes enredadas, ávidas de agressão, dormindo em concha.
Um toque e eis que a blandícia erra em tormento, e cada abraço tece além do braço a teia de problemas que existir na pele do existente, vai gravando.
Viver-não, viver-sem, como viver sem conviver, na praça de convites?
Onde avanço, me dou, e o que é sugado ao mim de mim, em ecos se desmembra; nem resta mais que indício, pelos ares lavados, do que era amor e, dor agora, é vício.
O corpo em si, mistério: o nu, cortina de outro corpo, jamais apreendido, assim como a palavra esconde outra voz, prima e vera, ausente de sentido.
Amor é compromisso com algo mais terrível do que amor? – pergunta o amante curvo à noite cega, e nada lhe responde, ante a magia: arder a salamandra em chama fria.
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Será que ela abriu algum dos seus sentidos?
DRUMMOND de ANDRADE, C. Obra completa, Rio de Janeiro: GB, Companhia José Aguilar, 1967.