Linguagem: lugar, palavra e silêncio – Bordas do inconsciente
Desestruturação da linguagem e experiência de análise: belo fragmento poético nas bordas do inconsciente.
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem.
Eu desestruturo a linguagem?
Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim.
Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar.
E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém.
Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei.
Ali só havia grilo com a sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio.
Os moradores do lugar se queixavam do grilo.
Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta.
Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem?
Fui eu ou foram as palavras?
E o lugar que retiraram de debaixo de mim?
Não era para terem retirado a mim do lugar?
Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem.
E não eu.
Barros, M. Poesia Completa. São Paulo. Leya, 2010