O desamparo primordial
Permaneci absorta com seu relato.
Dias e noites no balançar da cadeira e a tricotar intermináveis cachecóis Clara permanecia à sombra do tempo.
Desfiando o tempo em mãos irrequietas, uma permanente lamúria e súplica amarga se tecia em tons monocromáticos.
De ponto em ponto – ora verdes, vermelhos, amarelos ou azuis – seus cachecóis enlaçavam falsas estórias, cruas angústias e não aqueciam ninguém.
Quisera ter alguém com quem falar, mas perdera o fio da meada e não encontrava nada do outro; tampouco de si.
Sua solidão era absoluta.
E o vai e vem da cadeira eram tristes próteses de braços febris que não puderam embalar.
No dia seguinte encontrei Clara em minha sala de espera a tricotar.
Com voz doce e afetuosa, carregada de um tom travesso infantil, disse sem pestanejar:
– Vim sem avisar, mas posso esperar…
Com passos leves entrou na sala de análise e cuidadosamente deixou sobre a mesa a cesta com seus infindáveis novelos e agulhas.
Já no sofá, diante do meu olhar atento, serena e esperançosamente cobriu-se com a manta cor de âmbar e pôs-se a chorar.
Por meses a fio teceu sua história e pôde ser Clara…Clarinha.
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