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Vera Canhoni

Escrita: endereçamento e experiência – Exercícios de despropósitos

Escrita: endereçamento e experiência – Exercícios de despropósitos

No belíssimo  “Exercícios de ser criança”  Manoel de Barros conta a estória de um menino que carregava água na peneira…

Do mesmo modo, nas peraltagens do exercício da escrita – escuta e escritura –, no exercício de ser (ou estar) psicanalista, somos, em nossos (des) propósitos e em face àquilo que sempre escapa… tal como o menino...seguimos carregando água na peneira

 

Menino – carregar água na peneira

A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso.

 O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

 A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

 Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.

 No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.

Peraltagens – palavras e escrita

O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.

 

Eventos

 

Barros, M. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro, Salamandra, 1999

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