Escrita: endereçamento e experiência – brincar e infantilizar as palavras
Mais uma vez Manoel de Barros nos convida a brincar de poesia…
E, na sua complexa simplicidade recolhe e devolve às palavras seus frescores e aspectos mais lúdicos.
Sem maneirismos ou afetações restaura e restitui em nós o sabor da descoberta, da surpresa e encantamento.
Depois que eu descobri a competência das palavras foi que eu vi que elas podem levar a gente ao pernóstico, ao modismo, às afetações, às arrogâncias.
Eu sempre tive medo dessas coisas.
Eu sempre tive medo da arrogância, do maneirismo, da soberbia.
Daí que eu comecei a botar as palavras no caco de vidro, para que elas obedecessem as minhas particularidades.
Eu domestiquei as palavras para que elas aprendessem a brincar umas com as outras.
Eu queria infantilizar as palavras. Até que elas descobrissem o meu gosto de não falar nunca à vera.
Até que chegassem ao ponto de gurizada. E que fossem respeitadas até por tantãs. Até por passarinhos.
Palavra séria, para mim, é aquela que convida as outras para brincar de poesia.
Carrego meus primórdios num andor, minha voz tem um vício das fontes. Eu queria avançar para o começo. Chegar ao criançamento das palavras. Lá onde elas ainda urinam nas pernas. Antes mesmo que sejam modeladas pelas mãos. Quando a criança garatuja o verbo para falar o que não tem. Pegar no estame do som. Ser a voz de um lagarto escurecido. Abrir um descortínio para o arcano.
Manoel de Barros
Barros, M. Livro sobre nada. Rio de Janeiro, Record. 1998
Muller, A. Manoel de Barros, Beco do Azougue, 2010