Tempo: ócio e experiência – Bordas do inconsciente
Tempo: ócio e experiência
A que se deve a pressa do sujeito contemporâneo?
Não ao valor que ele atribui ao seu tempo, como costumamos pensar, e sim, ao contrário, à sua desvalorização.
Pouco se questiona a ideia de que o valor do tempo se mede pelo dinheiro.
O homem contemporâneo tem horror a tudo o que possa ser considerado “perda de tempo”, que para ele é sinônimo de perda de dinheiro.
Até mesmo o pouco tempo ocioso deve ser preenchido com alguma atividade interessante – o que torna, do ponto de vista do funcionamento psíquico, o uso de tempo livre idêntico ao do trabalho.
É evidente o sentimento de mundo vazio, ou de vida vazia, que decorre da supremacia da vivência sobre a experiência.
A suposta falta de tempo para o devaneio e outras atividades psíquicas “improdutivas” exclui exatamente aquelas que provêem um sentido (imaginário) à vida, assim como as atividades da imaginação, filhas do ócio e do abandono.
Pela mesma razão também se desvaloriza, por ser “inútil” ou “contraproducente”, a experiência do inconsciente.
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A experiência perdida para nós, de viver e trabalhar em um ritmo não ordenado pela produtividade permitia que o abandono dos sujeitos à temporalidade guardasse uma proximidade grande com o tempo do sonho, embalado por outra experiência que também se perdeu: a experiência do ócio, ou do tédio vivido sem angústia, como puro tempo vazio a ser preenchido pela fantasia.
De todas as experiências subjetivas que a história deixou para trás, talvez a mais perdida, para o sujeito contemporâneo, seja o abandono da mente `a lenta passagem das horas: tempo do devaneio, do ócio prazeroso, dedicado a contar e rememorar histórias.
Maria Rita Kehl
Kehl, M.R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.