Poesia – Alberto Caeiro – Criança desconhecida certeza nenhuma
Belo modo de dizer do desconhecido que brinca e filosofa em nós…
Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesse estar limpa era outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecia a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.
Alberto Caeiro
PESSOA, F. Ficções do Interlúdio: organização Fernando Cabral Martins. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.