Poesia – Cecília Meireles – Nós e as sombras
Em redor da mesa, nós viventes,
comíamos, e falávamos naquela noite estrangeira,
e nossas sombras pelas paredes,
moviam-se, aconchegadas como nós,
e gesticulavam, sem voz.
Éramos duplos, éramos tríplices, éramos trêmulos,
à luz dos bicos de acetilene,
pelas paredes seculares, densas, frias,
e vagamente monumentais.
Mais do que as sombras éramos irreais.
Sabíamos que a noite era um jardim de neve e lobos.
E gostávamos de estar vivos, entre vinhos e brasas,
muito longe do mundo,
de todas as presenças vãs,
envoltos em ternura e lãs.
Até hoje pergunto pelo singular destino
das sombras que se moveram juntas, pelas mesmas paredes….
Oh, as sem saudades, sem pedidos, sem respostas…
Tão fluidas! Enlaçando-se e perdendo-se pelo ar…
Sem olhos para chorar…
Cecilia Meireles
Meireles, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A, 1987