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Vera Canhoni

Processo de elaboração e reelaboração – parte 2/2 Escrita: endereçamento e experiência

Processo de elaboração e reelaboração: palavras – ritmos e caos

Mas o trabalho requer um permanente ir e vir da palavra à frase, da frase ao livro, do livro sonhado ao material ainda sujo e fragmentário dos cadernos:

São trinta, são cinqüenta cadernos de caos. Preciso imprimir vontade estética sobre esse material. Não acho a clave, o tom de entrada. Não acho o tempero que me apraz. O ritmo não entra. Há um primeiro desânimo.

Aparecem coisas faltando. Um nariz sem venta. Um olho sem lua. Uma frase, sem lado. Procuro as partes em outros cadernos.

Dou com aquele caracol subindo na escada. Era aquele mesmo, do primeiro caderno, que então passeava uma parede.

Percebo que existe uma unidade existencial nos apontamentos. Uma experiência humana que se expõe aos pedaços. Preciso compor os pedaços.

Meus cadernos começam a criar nódoas, cabelos. As ervas sobem neles.

Enfim, todo o esforço de se recompor, de se alinhar, a partir das palavras que latejam no caos do caderno, o poeta encontra o seu estilo (o seu restilo, seria melhor dizer):

Certas palavras estão doentes de mim. Minhas rupturas estão expostas.

Quem pode responder pelas rupturas de um poeta senão a linguagem?

Tenho que domar a matéria. O assunto não pode subir no poema como erva. Desprezo o real porque ele exclui a fantasia.

O erotismo do chão se enraíza na boca. Aproveito do povo sintaxes tortas. Guardo sugestões de leituras. Estruturo os versos.

E só dou por acabado um poema, se a linguagem conteve o assunto nas suas devidas encolhas.

As nossas particularidades só podem ser universais se comandadas pela linguagem. Subjugadas por um estilo.

Manoel de Barros

Muller, A. Manoel de Barros, Beco do Azougue, 2010

 

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