Barros e o inconsciente – porão da poesia
Poesia para incorporar
Poesia não é para compreender. É para incorporar. Quis dizer que a poesia se absorve através de percepções da sensibilidade.
Que a razão não está com nada em poesia.
Poesia – destilação das palavras
Minha poesia faz um avesso inverso de mim. Por isso não me acham muito.
Poesia é para se comungar. Fazer fusão com as nossas essências.
Poesia é mais pura destilação da palavra.
Só presta para nossa sensibilidade. Só presta para celebrar.
Acho que não sou planificado. Pode ser que siga uma voz inconsciente.
Cumpro meus dias de trabalho, de leituras, de anotações, de invenções de versos solteiros – tudo em meus pequenos cadernos de rascunho.
Inconsciente – porão da poesia
Acho que o inconsciente é o lugar onde as palavras ainda estão se formando. Ali é o porão da poesia.
Depois que a palavra sai do porão, temos que limpá-las de suas placentas.
Dói mais enxugar o escuro das palavras.
Inexistências – raiz da poesia
Conviver com inexistências é a raiz da poesia.
Inverter um Outro que esteja descobrindo o mundo, que esteja vendo as coisas pela primeira vez, tudo sem rótulos e sem nome – isso é muito salutar para a poesia.
Alguém que alguma vez me tenha dito que viu um lagarto na beira do rio a beber um copo de sol. Se encontro alguém que me diga isso tenho que adotá-lo para Outro.
Os Outros são sempre melhores que nós. Eles podem apalpar o som. Eles podem pegar nos perfumes do Sol.
São creaturas ainda não pertencidas de natureza, como são as águas, o vento, as pedras.
Eu adoto tais outros porque eles me ajudam na tarefa de entrar em estado de poesia.
Muller, A. Manoel de Barros, Rio de Janeiro Beco do Azougue, 2010