Poesia – Cecília Meireles: Anjo da guarda – solidão – silêncio – sonho de ser
Solidão que outros miram com desprezo,
silêncio que aos demais aflige tanto,
um pensamento na vigília aceso,
um coração que não deseja nada,
– esse é o mundo a que chegas, onde a vida,
só do sonho de ser é sustentada.
Debruço-me, e não vejo de que parte
podes ter vindo, nem por que motivo.
E a coragem perdi de peguntar-te.
Deixo-te isento. Não serás cativo
de quem não te quer ver no cativeiro
de enigmas em que voluntária vivo.
Mas não partes: que, cego e sem memória,
por instinto conheces teu caminho,
e vens e ESTÁS, alheio à tua historia.
E és como estrela, em séculos movida,
que num lugar do céu foi colocada
por uma simetria não sabida.
Meireles, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S/A, 1987