Psicanálise: A confiança no ambiente e contexto analítico – parte 2/5 – Vera Canhoni
Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós.
Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém.
Mia Couto
Experiência analítica como lugar restaurador
Estela procurou atendimento analítico, pois se sentia absolutamente estrangeira na cidade de São Paulo. Suas raízes estavam plantadas numa região bastante distante cuja cultura em nada a fazia se adaptar aos espaços, ritmos e maneiras paulistanas de viver e se relacionar.
Movida por uma profunda melancolia sentia ter perdido os seus sonhos e a vontade de partilhar ou realizar algo para si ou para seus semelhantes. Numa tentativa de curar as feridas de uma paixão cujo rompimento havia sido devastador, mudou-se para São Paulo a fim de encontrar um lugar restaurador.
Nas sessões de análise era muito lacônica; se comunicava comigo por meio de tímidos olhares e poucas palavras, carregadas, no entanto, de muita afetividade e emoção. Em muitos e freqüentes momentos Estela precisava que eu apenas estivesse presente e esperasse; que eu pudesse (sem pressa ou atropelos) conter e “abraçar” seus silêncios.
Experiência e atendimento clínico – novas raízes da confiança
Na esperança e confiança de (re) encontrar um lugar para si, Estela vivenciou pelas vias da experiência de análise tanto a dor, o sofrimento e a impossibilidade de amar alguém para além das fronteiras de seu próprio ser, quanto à possibilidade de (re) conectar-se consigo mesma através da sua historia e vivências mais primordiais.
Fundamentalmente, na posição de analista era preciso que eu me comunicasse com Estela por meio de uma comunicação “silenciosamente restauradora”.
Não raro, Estela esperava e me convidava a um tipo de comunicação bastante peculiar e singular sobre a qual se desenhava uma espécie de (re) velar-se não (re) velar-se. Num jogo de esconde-esconde as sessões analíticas se desdobravam e se teciam nessa fronteira e terreno.
Nutrida de confiança, cuidados e capacidade para conter e transformar suas dores e os dilaceramentos desse amor que a fez perder-se de si mesma, mas paradoxalmente, (re) encontrar-se Estela decidiu retornar à sua cidade natal.
Quando sedimentamos ou construímos algo restaurador ou transformador por meio do acolhimento e sensibilidade analítica em face da especificidade da comunicação com o outro os efeitos da experiência de análise continuam ressoando para além dos limites do ambiente ou setting clinico/analítico.
http://www.veracanhoni.com/psicanalise-confianca-ambiente-contexto-analitico-parte-3-5/
Referências Bibliográficas:
COUTO, M. A Confissão da Leoa, Companhia da Letras, 2012
ROSA, G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
WININICOTT, D. W. Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos. In: D.W.Winnicott. O Ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Trad. Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artmed, 1983.